Os arcebispos, bispos, coordenadores da ação evangelizadora e representantes leigos de várias pastorais de 18 dioceses do Paraná, reunidos na 31ª Assembleia do Povo de Deus redigiram uma carta de Moção de Cautela aos Ministros do STF em virtude da indecisão dos mesmos em relação aos julgamentos de alguns processos condenados pela Lei "Ficha Limpa", no dia 22 de setembro deste ano.
Segue abaixo a nota na íntegra:
MOÇÃO DE CAUTELA AOS SENHORES MINISTROS DO STF
Com orgulho, o Povo Brasileiro pode assim ler no Preâmbulo da Carta Magna:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, (grifamos,)
Com olhos voltados para o texto do inciso I, artigo 3o da Constituição Federal de 1988 que consagra o objetivo da construção de uma sociedade livre, justa e solidária e ouvidos atentos ao clamor do nosso povo, nós, representantes de mais de 7 milhões de Católico do Paraná, reunidos em Francisco Beltrão para a XXXI Assembléia Geral do Povo de Deus, contando com a presença de 136 Bispos, Sacerdotes, Religiosos e Religiosas, Diáconos e Leigos, nos dias 24, 25 e 26 do corrente mês, com a honra e o respeito que lhes são devidos, expressamos a Suas Excelências os Ministros do Supremo Tribunal Federal, Senhor Cezar Peluso, Presidente, Senhor Ayres Britto, Vice-Presidente, Senhor Celso de Mello, Senhor Marco Aurélio, Senhora Ellen Gracie, Senhor Gilmar Mendes, Senhor Joaquim Barbosa, Senhor Ricardo Lewandowski, Senhora Cármen Lúcia e Senhor Dias Toffoli, o teor da presente MOÇÃO DE CAUTELA.
O Povo brasileiro faz sua própria história democrática
Diante dos altos índices de corrupção eleitoral praticada por ocasião das eleições, de modo especial pelo uso da máquina administrativa e a compra de votos, há mais de 10 anos, os eleitores, soberanamente, mobilizaram-se em torno de Projeto de Lei de iniciativa popular, nascendo ali a Lei n° 9840/99, resultado da expressão de um grande anseio nacional pelo fim da corrupção eleitoral em nosso país.
Os efeitos dessa almejada conquista — para a qual os eleitores do Paraná contribuíram decisivamente com cerca de 93 mil assinaturas, quantitativo somente inferior aos dos Estados de São Paulo e Minas Gerais — são hoje avaliados através de um considerável número de políticos que tiveram seus mandatos cassados em razão da prática da corrupção eleitoral.
Apesar disto, o povo brasileiro viu recrudescer na administração pública, de modo especial através de agentes políticos eleitos, a improbidade e a falta de ética em inúmeros atos administrativos praticados sem qualquer preocupação, tanto com princípios constitucionais, quanto com a moral e os bons costumes.
Assim, o povo brasileiro mobilizou-se outra vez em torno de mais um projeto de lei de iniciativa popular,, desta vez com a participação de mais de 6 milhões de eleitores cada vez mais indignados com a escolha de candidatos que se inscrevem a cargos eletivos sem apresentar a necessária condição de "ficha limpa".
O projeto — para o qual novamente os eleitores paranaenses contribuíram em grande número, cerca de 182 mil assinaturas, atrás apenas dos mesmos Estados de Minas Gerais e São Paulo — mobilizou toda a sociedade brasileira, que nele depositou suas esperanças de afastar da vida pública agentes políticos, que vivem da prática da corrupção em geral para proveito próprio e dos inescrupulosos que os apoiam em troca do favorecimento em negócios escusos envolvendo dinheiro público, sendo aprovado como a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10).
Após a devida análise por parte do Poder Judiciário Eleitoral, esta salutaríssima regra eleitoral foi colocada em prática nas eleições deste ano para afastar do pleito em torno de 1.700 candidatos ditos "Ficha Suja", que agora aguardam o resultado do pronunciamento de Vossas Excelências, como é o caso do recurso do candidato Joaquim Roriz, sabe-se agora, pela imprensa, de que o mesmo renunciou de suas pretensões eleitorais, fazendo-se substituir por sua própria esposa.
Por certo, não pretendemos — e não podemos — analisar o mérito de cada recurso que aí está para ser julgado, mas fazemo-nos porta vozes de milhões de eleitores brasileiros que querem fazer chegar até Vossas Excelências um forte clamor de justiça, como medida de concreção do parágrafo 9o do artigo 14 da Constituição Federal, a proteger a probidade e a moralidade para o exercício dos mandatos eletivos.
Por sua pertinência, fazemos coro com a manifestação do presidente da OAB Nacional, o Excelentíssimo Senhor Ophir Cavalcante, que criticou a falta de decisão por parte do Supremo Tribunal Federal a respeito da Lei da Ficha Limpa, afirmando que "A inexistência de decisão é a pior decisão. Cria-se uma insegurança jurídica para a sociedade e para o eleitor1', concluindo por dizer que "£ papel do STF dirimir as controvérsias. Há uma comoção popular sobre o assunto."
Mesmo que queiramos compreender o impasse do julgamento em causa, a falta de definição pode ser a pior das soluções, como também afirma o presidente da OAB: "Remeter a decisão para o futuro ministro é politizar a decisão. Colocará o magistrado em situação de total exposição. É a única proposta que não pode ser acolhida".
Excelentíssimos Ministros, nos preocupam a comoção popular, o anseio do povo por reformas políticas que não vem, e, quando vem pela iniciativa do próprio eleitor, como agora pela Lei da Ficha Limpa, impasses e impedimentos de toda ordem e a falta de oportunas definições, como ocorre no presente momento, são vistos e compreendidos como formas de protelar a aplicação das novas regras, que só beneficiam os infratores que usam os mandatos eletivos para se tornarem imunes, gerando desânimo, frustração e descrença no sistema democrático que a Constituição nos garante.
Segundo manifestam analistas políticos, a indefinição sobre a efetividade da Lei da Ficha Limpa pode também afetar eleições para as Assembléias Estaduais e Câmara Federal, pois o número de vagas a ser preenchido por um partido é calculado com base no número de votos dados a todos os candidatos desse partido ou coligação. Veja-se que com a desistência de Roriz à sua candidatura ao governo, a ação perdeu o objeto, e pode ser arquivada por esse Supremo Tribunal Federal, mesmo após 17 horas de discussões, permanecendo o impasse quanto à validade da nova lei, até que outra ação semelhante seja levada a julgamento.
A discussão fica também relevante na Câmara dos Deputados, porque eventuais mudanças no tamanho das bancadas partidárias poderão refletir no trabalho geral do Legislativo. Muitas das atividades da.Câmara se submetem ao tamanho das bancadas, entre elas: a composição e a presidência das comissões permanentes, a composição da Mesa Diretora da Casa, o direito a representação partidária formal, o tempo para discurso de líderes em plenário e o número de funcionários destinados ao partido.
Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, aquela Corte decidiu apenas 56% dos recursos sobre registro de candidatura, o que representa cerca de mil processos analisados que contabiliza 1.763 recursos que lá chegaram questionando decisões dos TER's que negaram registros a candidatos.
Temos, assim, que se não pudermos contar com uma definição rápida sobre o assunto, teremos aumentado, não somente o universo de problemas nas diversas áreas da administração pública, mas principalmente o descrédito da população quanto às instituições e aos poderes constituídos, cuja existência tem a Nação Brasileira como finalidade (CF88, artigo 37. "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:").
Portanto, sabedores de que Vossas Excelências tem o saber e a competência para a solução jurídica do caso em questão, com este documento, os subscritores, representantes da Igreja viva no Paraná e que de perto ouvem o clamor de um povo que comovido aguarda por mudanças no campo eleitoral, também nos mobilizamos para que esse clamor seja levado em conta, não somente quanto à tempestividade da solução que trate da aplicabilidade dos seus efeitos, mas também suficientemente justa quanto aos anseios dos brasileiros no quanto respeita ao mérito da Lei da Ficha Limpa.
Fieis à Palavra de Cristo: "Que todos tenham vida e vida em abundância, Jo 10,10", rogamos aos céus por proteção a Vossas Excelências e que possam decidir com plenitude de Sabedoria e Justiça.
Francisco Beltrão, PR, 26 de setembro de 2010.
Dom Moacyr José Vitti Presidente da XXXI Assembléia do Povo de Deus CNBB Regional Sul II (Paraná)